terça-feira, 30 de outubro de 2012

Grupo Operativo no Enfoque da Saúde de Grupos

Liliane Barbosa Corrêa, componente da Equipe Co-opere, participou da publicação "Manual do Autocuidado" - editado pela Secretaria Municipal da Saúde de Curitiba. Aprecie abaixo.


                            GRUPO OPERATIVO
                                                                                               ...Mas somos um grupo, enquanto
                                                                                                                                               Somos capazes de, diferenciadamente,
                                                                                                                                                       Eu ser eu, vivendo com você e
                                                                                                                                                       Você ser você, vivendo comigo.
                                                                                                                                                                                    Madalena Freire, 2008.
A teoria sobre Grupos Operativos é uma estratégia de abordagem para quem coordena e ou facilita processos em grupo. Atualmente é uma metodologia utilizada nas áreas da saúde, educação, no desenvolvimento de equipes profissionais em empresas. Na área da saúde tem sido aplicada na formação de profissionais de saúde, como também em grupos de pacientes portadores de agravos crônicos como hipertensão e diabetes, com enfoque na adesão ao tratamento, autocuidado e co-responsabilidade pelo tratamento.
A coordenação de grupos de forma operativa, seguindo a técnica preconizada, exige uma formação específica e um estudo mais aprofundado da teoria. Por outro lado, alguns princípios e conceitos expostos a seguir podem ser utilizados por qualquer profissional que conduz trabalhos em grupo.
O QUE É GRUPO OPERATIVO?
A palavra operativo deriva de operar que significa fazer alguma coisa; produzir; executar; realizar. O propósito da operatividade é incentivar grupos e pessoas a agirem com autonomia, maior consciência, assumindo responsabilidades por escolhas e ações para realizarem mudanças. No caso dos grupos de mudança de comportamento é primeiramente acreditar que qualquer pessoa tem potencial de mudar se quiser, e que  a atividade em grupo pode potencializar essa vontade de mudar, de incluir novos hábitos e novas formas de pensar e agir.
Grupo operativo é definido como uma rede de indivíduos que interagem entre si e comprometem-se com uma tarefa. É a tarefa é o que diferencia grupo operativo, das outras teorias que abordam processos de grupo. Ele existe e acontece em torno de uma tarefa. Essa tarefa pode ser um objetivo, uma missão, ou uma atividade. No grupo de portadores de doenças crônicas, por exemplo, a tarefa como objetivo pode ser prevenir complicações da doença. Para isso tarefas como atividade podem englobar mudanças de hábitos alimentares, melhora da adesão ao tratamento, entre outras.
...o homem aprende a ser Humano na coletividade, a partir das relações que estabelece com os grupos com os quais convive e das apropriações que faz da cultura já construída.
Laura Monte Serrat Barbosa - 2007
HISTÓRIA DE VIVÊNCIAS E CONHECIMENTOS DOS GRUPOS
Outro aspecto importante  é ter consciência de que cada grupo e cada pessoa possui conhecimentos prévios, experiências de vida, formas de pensar com crenças e julgamentos que fazem parte da sua história. Esse esquema criado durante a vida, instrumentaliza pessoas e grupos na forma de enxergar o mundo, abordar a realidade e agir. Respeitar, considerar e dar espaço para ouvir essa sabedoria prévia é importante para quem trabalha com grupos. Assim como acreditar que pessoas e grupos podem mudar a forma de pensar, dependendo do contexto e da motivação. Quando o grupo cria uma forma de pensar coletiva, que surge das contribuições individuais, a comunicação fica facilitada e flui com menos ruídos.
QUESTÕES RELACIONADAS Á ORGANIZAÇÃO
Outro aspecto importante relaciona-se a questões de organização dos encontros e do processo de funcionamento do grupo. A finalidade é estabelecer alguns combinados entre coordenação e grupo, como também entre seus integrantes. Isso propicia um ambiente favorável para realização da tarefa do grupo, sem desperdício de energia e tempo, com atrasos, interrupções, faltas, uso de celulares, são alguns exemplos. Fazem parte dessa organização:
Tempo – Definição e comunicação a todos os integrantes, do horário de início e término dos encontros, inclusive o tempo de intervalo. Definir em conjunto com o grupo o tempo de atraso que será tolerado, para o início das reuniões. Também a informação sobre o número de encontros previstos. Quanto à duração dos encontros são informações em relação à carga horária dos encontros (total e por encontro), a frequência dos mesmos (semanal, mensal ou todos os dias).
Espaço – relaciona-se às condições ligadas à organização do local em que acontecem os encontros: arrumação das cadeiras, presença de excesso de materiais ou móveis na sala (estes poderão colocar em risco a segurança dos participantes ou servirem de distratores da atenção para o grupo), privacidade, limpeza do local. O espaço deve permitir a acomodação de todos os participantes, possibilitando que todos se vejam.
Papéis - são posições  oferecidas pelo grupo e assumidas por integrantes, que denunciam um acontecer ou um desejo grupal. Alguns dos papéis que espontaneamente surgem nos grupos são: líder da mudança (apresenta a novidade, a proposta de mudança); líder da resistência (reage contra a novidade), porta-voz (expressa a ideia, pensamento, desejo do grupo num determinado momento), o bode expiatório (representa as dificuldades, limitações do grupo), sabotador (sabota o trabalho do grupo, com a intenção de mostrar que o novo ainda precisa ser mais discutido, isto é, amalgamado pelo grupo),  representante do silêncio (é o que mostra  a necessidade do grupo de fazer silêncio, pois é nos momentos de silêncio que as reflexões e a  aprendizagem do novo acontece). Não existe um papel mais ou menos importante. Todos são necessários ao grupo, pois um indicativo de saúde grupal é a circulação desses papéis. O que acontece em alguns grupos é a cristalização dos mesmos em alguns participantes. Quando os papéis não circulam é comum surgirem rótulos (ex. o chato ou o  do contra que é aquele que  sempre vai resistir ao novo, o bebe quieto, que sempre fica quieto no grupo, entre outros). Isso pode paralizar o processo de mudança do grupo.
Reconhecimento – Relaciona-se com os ganhos e/ou vantagens percebidos por todos os envolvidos. As horas semanais dedicadas à participação dos encontros de grupo trazem vantagens tanto para participantes como profissionais de saúde envolvidos, como troca de experiências, resolução de problemas em conjunto, motivação para persistir nas mudanças, por exemplo.
 Tarefa – A tarefa é o grande diferencial do grupo operativo, como já foi citado anteriormente. O grupo se depara com dois tipos de tarefa. A primeira é a tarefa objetiva, a que é o motivo pelo qual o grupo se reúne, os objetivos a serem atingidos nos encontros do grupo, ou mesmo a atividade que vai ser desenvolvida em um determinado encontro. Outra tarefa subjacente à primeira é a tarefa subjetiva. Esta se relaciona com os conflitos vivenciados no grupo, a maneira de lidar com eles, julgamentos, crenças, como o grupo lida com a diversidade, preconceitos, medos que naturalmente aparecem na realização da tarefa objetiva de qualquer grupo. Citar Pessoas que já tentaram perder peso sem sucesso podem imaginar e que é um grande sacrifício de deixar de comer o que gostam, ou que fazer exercício físico exige um esforço acima da sua possibilidade.
Essas ideias não devem ser abafadas e nem reforçadas pelo coordenador e sim trazidas para a reflexão do grupo. A tarefa subjetiva representa os momentos do grupo e precisa ser vivida pelo grupo, para que ele utilize seu potencial criativo e de inovação para resolver a nova situação.
MOMENTOS DO GRUPO
Toda proposta de mudança de comportamento, atitude ou hábito, representa uma situação nova para um grupo, gera tensão e esta desencadeia uma tarefa subjetiva. Medos, ações defensivas, relações de dependência e competição fazem parte do movimento do grupo, que aparece como:
Confusão – No momento inicial, o grupo vivencia a confusão, o não entendimento de qual é a tarefa ou a atividade.  O medo de não entender o que é para se fazer e o não reconhecimento dos recursos que o grupo possui para realizar a tarefa, gera uma postura de dependência em relação ao coordenador. Surgem falas como falas como: o que é para fazer mesmo? Dá para repetir? Como é que é? Não entendi nada...  O papel do coordenador nesse ponto é não alimentar a dependência e deixar o grupo vivenciar essa confusão inicial e permitir que ele próprio descubra por si que tem potencialidades para entender e resolver a tarefa.
Dissociação - é o momento sequente pelo qual passa o grupo, ao vivenciar o medo  de se sentir incompetente de não atingir uma expectativa ou de desagradar, de se mostrar frágil, de provocar conflitos. Frente a esses medos podem aparecer defesas e ou resistências que procuram aliviar e reequlibrar a tensão vivida no sistema grupal. O grupo já sabe qual é a tarefa e começa a identificar as potencialidades que tem para solucioná-la.  O que é percebido por quem observa o grupo são pontos de vista diferentes, propostas de caminhos diversos para resolver a tarefa, polarizações e possíveis impasses, para solucionar a tarefa. O papel do coordenador é deixar o grupo viver o conflito, discutir, compartilhar, sem tomar partido de uma ou outra ideia ou de reforçar positiva ou negativamente algum participante; e intervir para que o grupo retome seu objetivo que é a realização da tarefa e não vaidades pessoais ou questões individuais.
Reflexão – O grupo se depara com o medo de perder o já conquistado, o que em algum momento foi aprendido e que a partir de agora não serve mais. Apresenta momentos de reflexão, pois as diferentes proposta que surgiram no momento anterior se integram e geram um resultado maior que a soma das partes individuais. Esse momento  aparece na forma de períodos de silêncio e é importante não interrompê-los  e permitir que o grupo viva o silêncio e acomode novos pontos de vista e aprendizagens, “pois é no silêncio que o caos é digerido, assimilado, pensado.” (FREIRE, 2008).
Esses momentos grupais são sucessivos e frente a uma nova situação, o grupo passará por todos os momentos novamente, pois uma nova tensão gera confusão, que gera dissociação, que gera reflexão e mudança.
ATITUDES OPERATIVAS
As atitudes operativas são intervenções verbais ou gestuais que promovem movimento do grupo quando este paraliza em algum dos momentos descritos. Desta forma, as intervenções possibilitam ao grupo retomar o foco na solução de impasses e conclusão da tarefa.
A escolha da intervenção a ser utilizada depende do contexto grupal, considerando sua tarefa, suas interrelações, sua dinâmica. As intervenções não são receitas que podem ser utilizadas aleatoriamente. O que funciona num grupo pode não ser eficaz em outro.
Mudança de situação
Quando ocorre polarização da discussão ou o grupo aborda temas não relacionados à tarefa, o coordenador propõe uma mudança de situação perguntando, por exemplo, o que o isto tem a ver com a tarefa do grupo. Gestos e atitudes não verbais como mudar a postura na cadeira, sentar-se em outra cadeira no círculo ou trocar de lugar com participantes que sentam sempre no mesmo lugar também são mudanças de situação.
Informação
Quando o grupo não entende ou tem dúvidas quanto a um conteúdo, o coordenador pode esclarecê-lo, orientá-lo quanto às fontes de informação ou relembrá-lo sobre o que já foi discutido em momentos anteriores. Informar sobre o tempo despendido para a realização de uma etapa também é importante.
Acréscimo à modalidade utilizada pelo grupo para aprender
Quando o grupo paralisa em torno de situações como a falta de recurso para fazer atividade física, por exemplo. O coordenador pode questionar que ideias o grupo tem para resolver essa situação.
Modalidade de alternativa múltipla
O coordenador fornece algumas possibilidades ao grupo para que ele escolha qual é a mais conveniente. São dadas diferentes alternativas, como por exemplo procurar informação na cartilha alimentação saudável, ou convidar o nutricionista para vir ao grupo, ou procurar em revistas ou na internet, porém o grupo é quem decide.
Proposição conflitiva
Quando o grupo permanece na zona de conforto, o coordenador faz uma proposição que gera conflito. Se alguns integrantes sugerem a interrupção do trabalho, por exemplo, questionar o grupo sobre os impedimentos para isso retira-o da dependência e propõe um conflito no qual todos decidem. Pessoas trazem como tarefa da semana como não comer mais gordura em nenhum dia. do grupo vem com decisões idealizadas, como fazer os dez passos para alimentação saudável de uma só vez . O coordenador apresenta uma possível dificuldade que possa aparecer para o grupo refletir
Explicação intrapsíquica
            É uma intervenção que explica o movimento interno do grupo para a tomada de consciência do que está acontecendo. O coordenador comenta o que observa, por exemplo, ao citar ar que o grupo está irritado por não ter mudado tudo de uma vez só na alimentação, ou por não ter perdido o peso desejado após as mudanças. Também aponta avanços no processo.
Mostra
            Esta intervenção permite que o coordenador não assuma um papel diretivo complementando a dependência do grupo em realizar sua tarefa ou conseguir aprovação. São intervenções por meio de gestos como: fixar o olhar em um ponto no infinito, sinalizar com as mãos que a tarefa é do grupo., apontar a cartilha de alimentação como fonte de esclarecimento de dúvidas, sentar no lugar onde um integrante sempre senta , entre outros........
Barbosa (2006) propõe mais três intervenções como:
Vivência do conflito
É importante que o coordenador deixe o grupo viver o conflito, sem intervir imediatamente, resistindo ao apelo mesmo silencioso do grupo para que ele intervenha para resolver as situações conflituosas.
Problematização
Quando o grupo pensa que uma solução é fácil, o coordenador problematiza, ou seja, agrega elementos dificultadores para amadurecer a discussão. Fazer perguntas ou propor situações como fazer exercício físico em dias de chuva e frio, como se comportar na feijoada no final de semana, como lidar com a pressão da família devido à mudança de cardápio, por exemplo.
Destaque do comportamento
É uma intervenção na qual o coordenador diz ao grupo que um comportamento mudou. Se durante alguns encontros o foco do grupo não é a tarefa, quando este comportamento muda o coordenador destaca o fato. Ele informa, por exemplo, que no início o grupo não tratava a tarefa no aqui e agora e neste momento passou a realizar a tarefa do grupo no presente.
Estas atitudes devem ser utilizadas com parcimônia, em momentos chaves, pois o excesso de intervenções pode desgastar esse recurso e deixar de produzir a operatividade.
INFORMAÇÕES SOBRE POSTURA DE UM COORDENADOR DE GRUPOS
- Ser um co-pensor – pensar junto com o grupo e não pelo grupo;
- Facilitar o diálogo – esclarecer ruídos na comunicação, convidar o grupo a pensar e buscar alternativas dentro do grupo;
- Sair do centro – não dar respostas prontas, devolver perguntas e questionamentos para o grupo, evitando reforçar a dependência em relação à coordenação;
- Não impor ideias ou coagir o grupo;
- Estar aberto para o inesperado que surge da produção de um grupo, pois muitas vezes esta não atende a expectativa imaginada ou idealizada pelo coordenador;
- Intervir apenas quando houver dificuldade na comunicação, paralizações e impasses no grupo. O excesso de intervenções pode atrapalhar o caminhar do grupo;
- Observar e perceber os momentos  e movimentos do grupo , relacionados à tarefa subjetiva.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS
BARBOSA, L.M. A Psicopedagogia e o mome to do aprender. São José dos Campos: Pulso, 2006;
BLEGER, J. Psicologia da conduta. Porto Alegre, Artes Médicas, 1984;
FREIRE, M. Educador, Educa a dor. São Paulo: Paz e Terra, 2008;
OSÓRIO, L.C. Grupos: teorias e práticas – acessando a era da grupalidade. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 2000;
PICHON-RIVIÈRE, E.  O processo grupal. 7 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2005;
_______________ Teoria do vínculo. 4 ed. São Paulo: Martins Fontes, 1991;
ZENÍCOLA, A.M.; BARBOSA, L.M.; CARLBERG, S. Psicopedagogia: saberes/olhares/ fazeres. São José dos Campos: Pulso, 2007.

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